Drauzio Varella fala sobre a fitoterapia, tema tratado na série "É bom pra quê?"

"Como esse campo é minado por ideologias de um lado e preconceitos de outro, quero deixar claro o que penso a respeito", diz ele.
Fantástico
Drauzio Varella apresenta a série "É bom pra quê?"
Esse é o nome da série que começamos no programa Fantástico, da rede Globo.
O objetivo da série é discutir os usos e abusos dos tratamentos médicos feitos com produtos derivados de plantas que não passaram pelo crivo científico dos estudos clínicos, e analisar as perspectivas da fitoterapia medicinal.


Como esse campo é minado por ideologias de um lado e preconceitos de outro, quero deixar claro o que penso a respeito.

Doutor Drauzio Varella apresenta a série sobre medicina popular no Fantástico.
1) Mais de 30% dos medicamentos alopáticos aprovados no mundo são derivados de plantas. No tratamento do câncer, esse número ultrapassa 50%.

2) No Brasil, país com uma das maiores biodiversidades do planeta, o número de espécies estudadas é muito pequeno em relação ao potencial existente.

3) Nos últimos anos, numerosos estudos laboratoriais com produtos derivados de plantas têm sido realizados em nossas universidades e centros de pesquisas. Neles, muitos extratos e seus componentes demonstraram atividade in vitro e em animais de laboratório, contra modelos experimentais de diversas doenças humanas.

4) Infelizmente, o número de estudos clínicos cientificamente conduzidos com números estatisticamente significativos de pacientes é desproporcionalmente pequeno. É só acessar o Pubmed para verificar a quase inexistência de estudos fase 3.

5) A falta de estudos clínicos publicados em revistas científicas de impacto dá margem a conclusões apressadas e a toda sorte de abusos. Basta uma planta ter demonstrado algum tipo de atividade in vitro ou em animais de laboratório para que apareçam defensores de seu uso em seres humanos.

6) Muitas preparações obtidas a partir de plantas que demonstram atividade promissora no laboratório, são assim malbaratadas pelo uso indiscriminado, como panacéias capazes de curar uma infinidade de doenças.

7) Dizer que uma planta deve ser empregada no tratamento de uma doença humana porque o uso tradicional assim justifica, não serve de argumento para a falta de testes clínicos. O uso tradicional é uma ferramenta importantíssima, revelou plantas das quais foram sintetizados medicamentos como morfina, aspirina, codeína, curare, os digitálicos e tantos outros. Mas, também serve de justificativa para o uso da babosa e da graviola para tratamento do câncer, e até do chá de confrei, muito em moda anos atrás, que provocou a morte de várias pessoas por toxicidade hepática.

8) No uso tradicional, as informações são transmitidas de uma pessoa para outra: tal planta é boa para isso, outra para aquilo. Como confiar na transmissão oral para definir modo de preparo, dosagens, número de tomadas diárias e limites de segurança?

9) A fitoterapia medicinal só será levada a sério quando for muito além do chazinho; quando tivermos preparações padronizadas, acompanhadas de bulas com instruções de preparo, dosagens, indicações, contraindicações, efeitos colaterais e toxicidade.

10) Se poucos de nós, médicos, receitamos fitoterápicos não é porque tenhamos sido comprados pela indústria farmacêutica como os fanáticos gostam de acusar, qual de nós não preferiria receitar para quem sofre um chá inócuo em vez de drogas repletas de efeitos colaterais? Mas, para que possamos fazê-lo precisamos obter dois tipos de respostas:

a) Nas doenças e no tratamento de sintomas para os quais a medicina clássica não oferece boas opções, queremos saber se o fitoterápico que demonstrou atividade no laboratório é mais eficaz do que um placebo.

b) Nos casos em que existe tratamento de eficácia demonstrada, queremos saber se acrescentar a ele o fitoterápico apresenta resultados melhores do que acrescentar um placebo.

Enquanto não houver financiamento para pesquisas clínicas que respondam a essas perguntas, e pesquisadores dispostos ao árduo trabalho de conduzi-las com critérios científicos rígidos, a fitoterapia medicinal no Brasil continuará um campo em que predominam as opiniões apaixonadas, as ideologias e os preconceitos.

Infelizmente, porque com a biodiversidade exuberante que temos, a fitoterapia pode apontar um futuro promissor para a indústria farmacêutica nacional e representar uma fonte importante de divisas para o país.

FONTE: FANTÁSTICO GLOBO.COM

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